domingo, 1 de maio de 2016

Vivendo nos sonhos da história

No meio da Serra do Mar havia uma casa no caminho para o litoral. Cidade pequena, mas com seus quase 250 anos. A casa ficava um pouco afastada da cidade em um sítio tranquilo de onde só escutava os grilos, os passarinhos, os sons da natureza e ao longe os carros que passavam na estradinha. Sem internet, sem TV, como se estivesse em uma terra de mitos, segura.

A casa da época do ciclo cafeeiro tinha seus mais de cento e vinte anos. Tombada pelo patrimônio histórico. Arquitetura típica da época nas paredes, portas e janelas. Encanamento e eletricidade adaptados. A eletricidade vinha de pequenos postes que atravessavam a Serra. Assoalho de madeira, divisão diferente dos cômodos.

Sentada em uma cadeira de balanço à noite ficava imaginando aquelas sinhás e suas negras que legalmente não eram mais escravas, mas que a gente sabe que ainda estavam lá. Passavam de um lado para o outro com candeeiros na mão ou velas. Cozinhavam naquele fogão à lenha que ainda estava ali e passavam roupa com ferros em brasa como aqueles que também ainda estavam ali. O banheiro não existia, deveria ser a despensa da casa e em algum lugar fora da casa deveria ficar o banheiro. A entrada por uma escada até a sala, os possíveis toucadores.

À noite deveriam ler algo que vinha da Europa ou no máximo um texto de José de Alencar. Machado de Assis estava a publicar ainda seus textos na época...

De repente me vejo transportada para aquele tempo, eu com quarenta anos já era uma sinhá mais velha que lia à luz de vela os Lusíadas de Camões. De repente aparece a ex - escrava e diz:

-Sinhá vai precisar de mim ainda?
-Não. Pode ir deitar-se.
-Sinhazinha já está dormindo. Preciso apenas avisar voismissê que amanhã é dia de ir até a cidade comprar mantimentos para a despensa.
-Tudo bem. Iremos até lá. Tenha em mãos o que está em falta na casa.
-Sim senhora. Boa noite.
-Boa noite.

No dia seguinte, pegamos a carruagem e fomos até lá. Aproveitamos e paramos na igreja matriz para conversar com o padre. Sinhazinha, minha filha de vinte anos já estava velha para casar...Ainda bem que havia arrumado um bom moço em um dos bailes que foi e o casamento estava marcado.
Voltamos à casa grande, algo estava diferente. O sol batia em meu rosto, havia dormido ali mesmo. E, imaginando o passado acabei por entrar nele...

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